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Cidades para mulheres: como a perspectiva de gênero pode melhorar a qualidade de vida urbana

Na semana passada levei minha filha em uma consulta médica, e fomos a pé, pois era um local próximo de onde estávamos. Ao atravessar uma rua, na faixa de pedestres, um carro passou em uma velocidade um pouco mais alta do que a recomendada, e muito próximo da minha filha e de mim, dirigindo o veículo sem cuidado ou respeito às normas de trânsito. O motorista era um homem de meia idade. Nós nos assustamos, é claro, e também sentimos muita insegurança (entre outras coisas), mesmo estando em uma faixa de pedestres. E não é a primeira vez que isso acontece. Na verdade, é rotineiro para quem anda a pé, nas cidades brasileiras. Isso reflete um planejamento urbano focado em carros, em princípio. Mas não é somente isso.

Ainda nesta mesma semana, li um artigo sobre planejamento urbano com perspectiva de gênero, e porque isso é importante para todo mundo. Em geral, o desenho urbano é feito por e para homens, de classe média, que utilizam carro, e tende a não incluir a perspectiva de grupos minoritários neste planejamento, como mulheres, crianças, população LGBTQIA+, população negra, população periférica, que na verdade, são rotineiramente excluídos dos processos de tomada de decisão. Ou seja, são pessoas invisibilizadas na cidade. E sabemos que mulheres, crianças e idosos são invisibilizados, pois o planejamento urbano não os contempla (Dutton et al, 2020). Em uma abordagem de gênero, o planejamento precisa considerar certos aspectos, que normalmente não são levados em conta, como por exemplo, a segurança ao se andar a pé, crucial para as mulheres. O artigo está disponível aqui https://www.qolf.org/news-and-updates/feminist-city-planning-why-it-matters-for-everyone/ , e sua principal mensagem é que quando se planeja uma cidade voltada às necessidades das mulheres, todos ganham. Ganham em segurança, infraestrutura, áreas verdes e espaços de interação, mobilidade, gestão de riscos e serviços. Ganham também uma cidade mais segura, mais saudável e mais inclusiva, que é o que todos precisamos.

No geral, o planejamento urbano tem sido desenvolvido por homens, em sua maioria, De acordo com o relatório “Cities Alive: Designing Cities That Work for Women”, desenvolvido pela UNDP, Arup e Universidade de Liverpool (https://www.undp.org/publications/cities-alive-designing-cities-work-women) , mulheres enfrentam desvantagens sociais e econômicas consideráveis quando comparadas com os homens. Assim como este relatório e o artigo que mencionei, existem muitos outros documentos abordando a importância de mulheres estarem participando do desenvolvimento urbano, e serem consideradas na implementação de toda a infraestrutura. É preciso pensar, nas nossas cidades, como é o transporte público para as mulheres? Que no geral são responsáveis pelo cuidado com crianças e idosos, e como eu, precisam, muitas vezes, se deslocar com frequência, de carro, transporte público ou a pé? Como é a segurança, e como as mulheres se sentem nas diferentes áreas urbanas? Como são as calçadas, as praças? E mais importante, como a desigualdade impacta a vida de mulheres em situação de vulnerabilidade?

Na minha última viagem para a Inglaterra, tomei conhecimento da iniciativa “Healthy Streets” ou “Ruas saudáveis”, que está sendo implementada por lá. Esta iniciativa tem relação profunda com o planejamento urbano na perspectiva de gênero, pois é no planejamento local (de ruas mesmo) que estão as oportunidades de melhorias. A perspectiva de gênero deve ser adotada em todas as iniciativas e diretrizes de planejamento urbano. É preciso mudar o cenário atual, e incluir as mulheres na tomada de decisão, especialmente as mulheres negras e periféricas, que são o grupo que mais sofre com a desigualdade a pobreza, a falta de recursos e as consequências de crises como pandemia e mudanças climáticas. E não é necessário incluir mulheres somente na gestão urbana, mas também nas consultas, nas fases de estudo territorial, em monitoramentos, etc. Mulheres precisam ser consultadas e precisam ter um lugar de fala no desenvolvimento das cidades. E quando mulheres são ouvidas e suas necessidades, consideradas, as crianças também são. E todos prosperam. Mas cidades para crianças são assunto para um outro post.

Referências

Dutton, J. et al. (2021). Feminist Planning and Urbanism: Understanding the Past for an Inclusive Future. In: The Palgrave Encyclopedia of Urban and Regional Futures. Palgrave Macmillan, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-030-51812-7_22-1

 

Fotografia: arolina Carvalho

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