Na minha estadia na Universidade de Birmingham (UoB), em junho de 2023, ministrei uma palestra sobre como o mapeamento participativo pode contribuir com o desenvolvimento urbano sustentável, a justiça ambiental e a saúde urbana. A palestra foi organizada pelo Centre for Urban Wellbeing, da UoB. Assim, produzi este texto com os principais pontos que abordei na palestra.
O mapeamento participativo é um método que pode fazer conexões essenciais entre as necessidades e as intervenções necessárias para promover melhorias na qualidade da vida urbana das pessoas, especialmente em comunidades periféricas, que lutam tanto pela sua sobrevivência em meio à desafios e impactos sociais e ambientais oriundos das mudanças climáticas, da pobreza, da desigualdade e mais recentemente, da pandemia de Covid 19. Tais impactos atingem a saúde e o bem-estar dos cidadãos. E o que é este bem-estar? É um estado positivo vivido por um indíviduo, e por uma sociedade, em seu ambiente, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O bem-estar urbano, portanto, pode ser determinado pelas condições sociais, econômicas e ambientais do local onde moramos. Já dá para imaginar que, nas nossas cidades, com tanta desigualdade e pobreza, o bem-estar é muito variável, principalmente de acordo com o local onde o cidadão vive.
As condições sociais, econômicas e ambientais da cidade tem impacto na vida de todos os cidadãos, mas sobrecarregam ainda mais os moradores de áreas periféricas. As condições de precariedade da periferia, associadas com a questão da exclusão geográfica e social, do desemprego, dificuldades de acesso à educação e à saúde, entre outras, afetam profundamente a vida dos moradores, e por vários anos à frente, como afirmam Baptista e Santos (2022). A poluição, os impactos ambientais negativos de indústrias, a alta densidade demográfica, a existência de áreas de risco, as dificuldades de mobilidade, o descarte inadequado de resíduos, a violência, fazem com que essas pessoas adoeçam mais, e até mesmo morram precocemente.
Como mudar este cenário e tornar os bairros periféricos melhores para seus moradores? De acordo com a abordagem da Professora Helen Pineo (pesquisadora da University College of London), o conceito de urbanismo saudável (e o bem-estar) está embasado na sustentabilidade, na inclusão e na equidade. Vamos focar aqui na inclusão, ou seja, todos os cidadãos devem ter o direito de participar no processo de tomada de decisão do planejamento territorial urbano. Para que esta inclusão ocorra, é preciso contar com ferramentas participativas na gestão urbana, como, por exemplo, o mapeamento participativo.
Na minha palestra, eu abordei três casos principais onde apliquei o mapeamento participativo, e no qual é possível observar que o método contribui para a co-criação de conhecimento territorial, que, por sua vez, pode subsidiar um plano local e municipal, que foque no bem-estar da população. Eu apliquei o mapeamento em três regiões de alta vulnerabilidade, no estado de São Paulo. O bairro do Novo Recreio, em Guarulhos, Paraisópolis e Brasilândia em São Paulo.
No caso de Guarulhos, eu desenvolvi um projeto de mapeamento participativo que durou cerca de 4 meses, com jovens de 14 a 17 anos (leia a publicação da minha pesquisa de pós-doutorado aqui: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/19463138.2021.2019041). O foco principal do mapeamento foi o conjunto de desafios diários que os participantes enfrentam diariamente, como o acesso aos recursos mais básicos, como água, energia e alimentos frescos e saudáveis, que são a base da rotina funcional de qualquer pessoa. A falta de infraestrutura básica tem impacto na educação, na alimentação, na higiene, a ponto de influenciar inclusive na trajetória profissional de uma pessoa, a longo prazo. E claro, isso influencia também na sensação de bem-estar e de prosperidade do cidadão. Neste projeto, mapeamento contribuiu para um diagnóstico apurado dos principais problemas socioambientais que precisam ser o foco da gestão urbana local, do ponto de vista dos jovens moradores do Novo Recreio.
Em outro caso, no bairro de Paraisópolis, eu dei suporte no desenvolvimento de mapas falantes para a dissertação de mestrado de Francisco Paiva (acesse o artigo aqui https://www.rbciamb.com.br/Publicacoes_RBCIAMB/article/view/1035? ). Os mapas falantes foram desenvolvidos em conjunto com Agentes Comunitárias de Saúde, da UBS local. Quem melhor do que ACS´s para falar sobre bem-estar? O projeto mostrou que sim, existem diversos problemas que precisam ser enfrentados com urgência, tais como a presença de vetores de doenças por conta da gestão inadequada de resíduos, alagamentos, poluição, falta de acesso à saúde, entre vários outros. Mas também existem locais do bairro com muito potencial de melhoria, como por exemplo, as áreas verdes e áreas de socialização, que podem ajudar a melhorar a sensação de bem-estar no bairro, e de quebra, gerar oportunidades de enfrentar a insegurança alimentar com as hortas urbanas, e também colaborar para mitigar os impactos das mudanças climáticas. O importante é mapear o território com quem o conhece, saber onde estão os gargalos e intervir de maneira eficiente.
Por fim, o terceiro caso que apresentei na palestra foi o da Brasilândia. Esta foi uma atividade de mapeamento que fez parte do evento “Diálogos sobre Desigualdades Socioambientais: Paralelos entre Injustiça e Racismo Ambiental (Brasil-Estados Unidos)”, no dia 22 de outubro de 2022. O objetivo foi engajar os moradores da Brasilândia em uma conversa sobre os desafios enfrentados diariamente, e olhar para a questão do racismo ambiental, que é justamente a maior sobrecarga de impactos ambientais, sociais e econômicos recaírem sobre a parcela da população mais vulnerabilizada. Os relatos foram bastante intensos, e podem ser observados nesta postagem: https://www.comunidadesvivas.com.br/o-mapeamento-participativo-como-ferramenta-para-o-enfrentamento-ao-racismo-ambiental-mapeamento-participativo-na-brasilandia/
Enquanto existirem grupos marginalizados que sofrem com a desigualdade, a exclusão, a pobreza, e ainda os impactos desproporcionais da urbanização intensa e das mudanças climáticas, não há chance de as cidades serem locais prósperos e saudáveis para todos. Portanto, é essencial criar meios de escuta eficientes para que a população exponha seus problemas, e que a gestão urbana intervenha de forma eficiente e justa.
Baptista, A.C.S. & Santos, I.P. 2022. O RACISMO AMBIENTAL NA METRÓPOLE PAULISTANA: ENTRE OS BECOS E VIELAS DE SÃO PAULO. https://abpnrevista.org.br/index.php/site/article/view/1352/1295